Aqui será feita uma reflexão com
base no livro de Êxodo mostrando as facetas de Deus tendo como base o dialogo
entre um cético e um judeu. Achei muito interessante a pergunta e fiquei
surpreso com a resposta.
Cético:
“O livro de êxodo narra a história de um Deus
amoroso que colocou seu povo escolhido na escravidão… Ele então permitiu que o
faraó matasse todos os bebês judeus e salvasse Moisés para que ele pudesse
libertar os escravos judeus. Deus então atingiu o povo egípcio (que também fora
criado por Ele) com dez pragas. Finalmente, Ele enviou Seu anjo da morte para
assassinar todos os primogênitos, porque Ele queria que o faraó libertasse os
escravos judeus que Ele permitira sofrer por um longo tempo. Você poderia
responder que é livre arbítrio do homem fazer atos de maldade… Mas… Os anjos
somente agem seguindo instruções de Deus… Por que você desejaria rezar e
prestar homenagem a um matador invisível de bebês?”
Judeu:
“Querido Insensível,
Aceito a sua pergunta pela
ingenuidade. As melhores questões de todas são as irreverentes que desrespeitam
o protocolo e não se enquadram na mentalidade coletiva convencional. Sua
pergunta capta o conflito que pessoas enfrentam na atualidade, quando
confrontam a história do Êxodo ou outros eventos bíblicos.
Quem ler a Torá (Essencialmente
torá em hebraico significa ensinamento, se refere basicamente ao Pentateuco, ou
seja, os cinco primeiros livros da bíblia. O nome Torá deriva da palavra
hebraica Yará, que quer dizer ensinar, instruir, apontar para o alvo,
estabelecer uma fundação. Na tradição judaica existem duas torá, a escrita e a
oral.) literal com um olhar honesto não poderá deixar de ser levado pelo
dilúvio de violência e guerra em nome de um Deus vingativo. Algumas das
maldições declaradas nela são sangrentas demais para repetir.
Não admira que um dos mais fortes
estereótipos do nosso tempo seja alguém brandindo fogo, o evangelista da Bíblia
socando o ar com o punho cerrado e a voz trêmula, invocando o nome do Eterno
que atingirá os pecadores do mundo com pestilência e doenças. Quem com mente sã
e espírito sadio desejaria associar-se com esta abordagem de fogo e pedra?
Tudo isso traz à mente uma das
questões eternas – e mitos fundamentais – sobre a Torá): o ciclo aparentemente
interminável de ira, violência, raiva, inveja e vingança – todos por parte do
Divino. Que espécie de Deus é tão punitivo? E quem desejaria abraçar um Deus
furioso e violento?!…
Acrescente à equação milênios de
abuso religioso autoritário, e teremos todos os ingredientes para a profunda
alienação e rejeição tola de todas as coisas religiosas hoje. Quem afinal deseja
um relacionamento com um Deus tão punitivo, vingativo e sangrento? Na verdade,
por este exato motivo muitas pessoas encontram muito mais consolo no amor e
gentileza dos textos religiosos que não sejam da Bíblia. Parece mais apropriado
que um livro espiritual deveria fazer você se sentir aquecido e fortalecido, em
vez de expô-lo a uma avalanche de guerras, traições e retribuições.
Ainda mais intrigante é o fato de
que essa mesma Torá seja o alicerce da civilização. Os princípios morais dos
Dez Mandamentos continuam sendo a maior declaração de virtude e ética. Em meio
a toda a violência da história, os valores bíblicos se destacam até hoje como
um exemplo reluzente dos mais nobres padrões que o homem pode jamais atingir.
Como um livro tão violento produziu tanta beleza e na verdade fez nascer a
benevolência, esperança, providência e todos os maiores ideais de que somos
capazes?! Há sistemas de crença que são lindos no papel, mas na realidade
causaram estragos à raça humana; a Bíblia parece soar beligerante no papel, mas
quando aplicada, produz o estilo de vida mais refinado.
Revelar o mistério – e paradoxo –
da Bíblia – exige um retorno às suas raízes. Qualquer tradução da Bíblia
dificilmente reflete e faz justiça ao original hebraico e seus significados
ricos e metafóricos. (Por esse motivo a tradução da Bíblia foi vista como um
momento triste). Primeiramente o hebraico, em sua forma literal, é uma
linguagem simbólica ao contrário da maioria das outras linguagens, que são
literais, descritivas. Palavras como “fúria” e “vingança” têm significados e
implicações completamente diferentes em hebraico e nas suas traduções.
Ainda mais importante é o fato de
que a Torá “fala na linguagem do homem” (Talmud, Berachot 31b). Devemos
eliminar quaisquer noções antropomórficas que possam ser deduzidas das
expressões, conceitos e analogias bíblicas. Devem ser entendidas em termos não
espaciais e não corpóreos. A Torá fala em linguagem humana para que possamos
ter alguma concepção dessas ideias. Porém esses termos precisam ser despidos de
quaisquer conotações temporais, espaciais e corpóreas, pois são todos não
atribuíveis ao Divino.
A Torá não pode ser avaliada
somente através de uma leitura literal. Até sua dimensão literal é infundida
com camadas de significados – especificamente quatro camadas (literal,
alegórica, homilética e mística) – embebidas uma dentro da outra.
Nossos sábios na verdade
descrevem a Torá como um documento espiritual. Ela “fala sobre as coisas acima
[espirituais] e alude a coisas abaixo [físicas].” Às vezes a Torá é comparada a
um projeto arquitetônico, que o Arquiteto Cósmico usou para construir este
universo. Portanto, em vez de impor nossos significados mortais, estreitos e
superficiais nas palavras “ira” e “maldição”, a Torá nos desafia a nos abrirmos
aos significados Divinos desses termos e experiências. Na verdade, esses mesmos
conceitos se originam de suas raízes espirituais.
Duas distinções importantes devem
ser feitas para diferenciar nossa experiência das emoções “agressivas” de suas
contrapartidas Divinas (espirituais). A primeira é que nossas emoções são um
emaranhado de forças saudáveis e doentias, muitas vezes impulsionadas pelos
nossos próprios temores humanos, inseguranças e mesquinharias. (Em nosso mundo
“não há bem sem o mal e nem mal sem o bem”). Até quando uma emoção agressiva é
basicamente saudável, seus efeitos secundários podem com frequência aumentar
até formas inadequadas de violência. Na dimensão Divina, por outro lado, todas
as reações são formas saudáveis de expressão o tempo todo.
Em segundo lugar, no mundo do
Divino toda “reação” é na verdade um reflexo de “causa e efeito”. De fato,
nossos Sábios explicam que recompensa e castigo são na verdade causa e efeito.
Você consideraria uma mão carbonizada sendo castigada pelo fogo? Quando alguém
coloca a mão no fogo, o efeito natural é uma queimadura. Todas as reações
aparentemente “sangrentas” na Torá são na essência o efeito coletivo “natural”
de um mundo distorcido; um desalinhamento entre a existência e seu verdadeiro
propósito.
A declaração da Torá “Deus estava
furioso” significa que quando os seres humanos através do comportamento se
distanciam de sua Divina imagem e chamado, eles têm o poder de causar o efeito
de Deus de se distanciar de nós.
Ódio ao mal não deve ser
confundido com o ódio que sentimos. O desprezo Divino ao mal é como as células
brancas do sangue reconhecendo uma infecção como o inimigo, e atacando
incessantemente para proteger a saúde do corpo.
O exílio egípcio – que foi
previsto por Abraão 400 anos antes – foi parte do misterioso ciclo de vida e
morte, alegria e sofrimento, que reflete a realidade da descida da alma a este
mundo difícil.
Em nossa lida diária não vemos as
verdadeiras causas e efeitos de nosso comportamento. Podemos magoar uns aos
outros e jamais sentir a destruição que trazemos à nossa vida e ao mundo. A
Torá – como um presente para nós – nos revela os mecanismos internos da vida, e
todos os efeitos do comportamento humano.
Talvez jamais venhamos a entender
por que crianças inocentes foram massacradas no Egito e no decorrer da
história. Temos o direito, não a obrigação, de desafiar Deus por toda
experiência sofrida que passamos. Mas ao mesmo tempo, devemos lembrar que se
não houvesse vida não haveria morte. Se não houvesse júbilo não haveria
sofrimento. Ficamos profundamente perturbados (em nossa mente) por qualquer
morte sem sentido; e isso é correto. Porém nossa perturbação deveria servir
como um lembrete de que nossa vida consciente – e o universo como um todo – se
sente desconectada da nossa fonte e temos o poder de reparar o vazio.
As consequências dessa desconexão
não são o problema, mas parte da solução. Quando sentimos dor reclamamos sobre
o desconforto, mas a dor é um lembrete e um reflexo de que algo precisa de
reparo. Mesmo que preferíssemos não sofrer as consequências, uma vida honesta
sentiria os efeitos para que pudessem servir para trazer a cura.
Por mais doloroso que tenha sido
o exílio egípcio, ele forjou uma nação eterna, imbuída para sempre com a
compulsão natural para a liberdade. Pode-se dizer que o exílio e a redenção do
Egito deram origem à liberdade – uma liberdade que começaria uma marcha
contínua que levou às liberdades e direitos que hoje aceitamos como certos.
A retribuição Divina aos egípcios
também é uma história de causa e efeito. Aqui não é o local para elaborar, mas
as Dez Pragas são na verdade um fascinante projeto dos dez efeitos psicológicos
de crimes contra a humanidade. Os egípcios foram os primeiros a escravizar uma
nação inteira baseados puramente em sua raça. Este não foi um pecado pequeno.
Teve profundas consequências que ecoaram na história.
Na verdade, a história do Êxodo
começa com Deus aparecendo a Moisés numa sarça ardente. Por que não aparecer
numa linda árvore frutífera? Porque Deus queria demonstrar a Moisés que Eu
estou com você não apenas na alegria, mas também no sofrimento; não somente na
beleza, mas também no espinho.”
Portanto, apesar dos mistérios de
Deus, tudo tem uma causa (que muitas vezes não entendemos), mas que nos levará
a cumprir Seus projetos mesmo que eles pareçam estranhos. Então não pense ou
diga que Deus é mal, pois Ele é justo, e para ser justo, muitas vezes Ele tem
que fazer coisas desagradáveis para que a Justiça seja feita e não haja caos, desordem
e até mesmo dor.