sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Esperança


Um cavalheiro elegante de terno escuro sai do aeroporto John Kennedy, em Nova York, com apenas a bagagem de mão. Abandona o local, apressado, deixando para trás sua mala de viagem. Na porta, pega um táxi em direção ao Queens. Desce nesse bairro de maioria latina e pega outro táxi que o conduz ao seu verdadeiro destino: Newark, estado de New Jersey.
Pedro Paulo, jovem empresário do ramo da informática, está agitado. Sente o coração sair pela boca. Sua empresa está falida, mas nada justifica o que vem fazendo ultimamente. Essa é a terceira viagem transportando narcóticos. Nas duas primeiras deu tudo certo. Desta vez, repentinamente, o pânico se apodera dele. Pressente que será descoberto, tira a etiqueta de identificação e abandona a mala.
Duas horas depois, do outro lado da ponte, em Newark, dirige-se à casa de Jair, que ignora as atividades ilícitas do amigo de infância. Cresceram juntos, jogaram bola, pescaram e paqueraram bastante, até que a vida os levou por caminhos diferentes.
Anos depois, eles se reencontraram acidentalmente na porta do Hotel Pennsylvania, em frente ao Madison Square Garden, em Nova York. Jair tinha mudado bastante. Parecia mais sério. Casado com Laura era pai de dois preciosos filhos. Tornara-se um cristão fervoroso. Pedro Paulo continuava solteiro, aproxima-se dos 40 e vivia “a vida louca”, como ele mesmo gostava se definir.
Naquele dia quente do mês de julho, em Newark, ao abrir a porta Jair percebeu que algo estranho tinha acontecido com o amigo de infância e, depois de abraça-lo, perguntou:
- O que foi? Você está branco como uma cera.
- Foi nada não. É só o cansaço da viagem.
- Cansaço nada. Acho que você está doente, fique à vontade, você vai ficar no mesmo quarto que ficou da outra vez.
Pedro Paulo entrou. Sentiu-se sujo e desleal com o amigo que bondosamente lhe abrira as portas. O que fazer? Sair correndo e nunca mais regressar? Ou abrir o coração e confessar que estava colocando em risco a segurança da família que o hospedava? Jair não merecia o que ele estava fazendo. Esse sentimento o perturbou profundamente.
Minutos depois, embaixo do chuveiro, sentindo a água escorrer pelo corpo, ele chorou. Como desejava que aquela água fresca limpasse também sua alma das incoerências de sua existência. Ninguém podia chamar de vida a sucessão interminável de noites e dias ocos em que tinha se transformado seu cotidiano. O pavor e o desespero tomavam conta dele ao pensar na ideia de a policia descobrir quem era o dono daquela mala abandonada no aeroporto.
Por algum motivo, que não conseguiu identificar naquele instante, lembrou-se de Marta, a jovem que ele abandonara ao saber que estava grávida. Ele tem um filho ou uma filha que nunca quis ver. Onde andaria Marta? Como estaria a pessoa que ele, um pai ausente e fraco, jamais conhecera por não ter coragem de assumir?
A empresa de informática que abrira havia cinco anos marchou a todo vapor no início, mas aos poucos, entrou em colapso. Ele era o único culpado. Vivia extravagantemente. Gastava mais do que ganhava. Assim comprometeu o capital da empresa.
Ao ver o barco afundar, fez de tudo para salvar o patrimônio, mas não conseguiu. Achou que em pouco tempo conseguiria o dinheiro para sair da situação desastrosa, podendo colocar fim à sua carreira como marginal.
Repentinamente, naquele dia no aeroporto, sentiu que esse caminho não era seu, experimentou medo, descobriu-se fraco e fugiu como um garoto assustado.
Ao chegar à noite, sentado à mesa da família para o jantar, Pedro Paulo se mostrou silencioso e introvertido. Não era o mesmo de outras ocasiões.
- O que foi Pedro? Você está doente? – pergunta Laura.
- Por quê? – Jair me perguntou a mesma coisa quando cheguei.
- Não, não é nada – responde o visitante, emocionado ao ver a cena familiar. Respira-se felicidade naquele ambiente. No entanto, um turbilhão de pensamentos assustadores o incomodava naquele dia. Como enfrentar a dívida? A mala abandonada significava muito dinheiro. Ele teve que fugir. Algo lhe dizia que estava sendo vigiado. Ou aquele sentimento fora apenas fruto de sua imaginação? E se o identificassem? E se os guardas batessem à porta do amigo? Arruinar aquela linda família? Comprometê-la com a Justiça? O coração era um redemoinho de sentimentos que não conseguia segurar. Pediu licença no meio do jantar, e se retirou.
No silêncio do quarto, chorou. O que acontecia com ele? Esse não era o Pedro Paulo que ele mesmo conhecia. Por que tanto escrúpulo, temor e remorso?
Uma hora mais tarde, Jair bate à porta.
- Posso falar com você?
- Entra.
- O que foi cara? Você está com algum problema? Quer falar?
- Não é nada não. Acho que me emocionei vendo sua família linda e feliz. Poxa, vocês são diferentes.
- Somos cristãos. Jesus é hóspede permanente neste lar.
- Sabe que invejo você? Queria tanto ser feliz, ter essa paz que sinto cada vez que chego aqui, mas a minha vida está de cabeça para baixo.
- Quer saber? Nós nem sempre fomos assim. Três anos atrás, estávamos a ponto de nos divorciar. Estivemos afastados um do outro por dois meses. Eu achava que minha vida tinha chegado ao fim. Amo minha esposa, mas, ainda assim, tinha provocado a separação.
- Você?
- Sim, fui infiel.
- Não brinca! Você é o cara mais direito que conheço.
- Você pode achar, mas não sou não. Ninguém é bom.
- Como assim?
-É o que a Bíblia afirma.
Jair pegou uma Bíblia que estava no criado-mudo e leu: “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Depois, olhando nos olhos do amigo, disse:
- Todos. Você entende? Todos, sem exceção. Você, eu, todos somos pecadores.
- Você não está exagerando? Existe muita gente boa neste mundo!
- Do ponto de vista humano, talvez, mas a Bíblia diz que “não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus, todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer?” (Romanos 3.10-12).
- Nem um só?
- Nem mesmo um! E não adianta o que o ser humano faça para se livrar do pecado. A mancha da rebeldia e do pecado está sempre nele. “Pelo que ainda que te laves com salitre e amontoes potassa, continua a mácula da tua iniquidade perante Mim, diz o Senhor Deus” (Jeremias 2.22).
- Então, estamos perdidos?
- Estamos! Isso significa que estamos destituídos da glória de Deus. E, longe Dele, peregrinamos no território da morte. Por isso, Paulo diz: “Por que o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Romanos 6.23).
- Não entendo Jair. Se todos somos pecadores, e o salário do pecado é a morte, como estamos vivos?
- Depende do que você entende por vida. Do ponto de vista biológico, a vida é um período de tempo no qual o coração bate e o pulmão respira. Mas nós somos mais do que apenas um corpo; somos seres humanos com emoções, sonhos e projetos. Para desfrutar da verdadeira vida, precisamos mais do que simplesmente andar, comer ou dormir.
- Eu também acho assim – disse Pedro Paulo, reflexivo.
Ambos permaneceram em silêncio. Pedro olhou para a Bíblia aberta. Jair sabia que o amigo estava assimilando a conversa e continuou:
- Mas nem tudo está perdido. Veja o que está escrito aqui: “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14.6).
- Jesus é a vida?
- Exatamente! Só Jesus pode dar sentido à existência. Por isso, Ele declarou: “O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (João 10.10).
- Vida abundante é vida com sentido.
- Isso mesmo. E o apóstolo João afirma: “E o testemunho é este que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está no Seu Filho. Aquele que tem o Filho tem a vida; aquele não tem o Filho de Deus não tem a vida” (1 João 5.11-12).
Pedro Paulo continuou pensando e Jair prosseguiu:
- Longe de Jesus a vida torna-se simples sobrevivência. Levantar-se de manhã, trabalhar e dormir não é vida; é apenas existência.
As palavras de Jair agitaram o coração de Pedro Paulo, que perguntou:
- E como se pode obter esse tipo de vida?
- Vou ler para você o que Jesus disse: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16).
- Eu já ouvi isso.
- Muita gente ouve Pedro. Porém, pouca gente pensa no verdadeiro significado dessa declaração. Há algumas palavras-chave nesse verso.
- Quais?
- A primeira é que Deus ama você. Não pelo que você faz ou deixa de fazer. O amor de Deus não é por merecimento. Deus o ama porque Ele é amor (1 João 4.8). Essa é a Sua natureza. Não importa quem você é, nem o que você faz. A despeito de você crer ou não, você é o ser mais precioso para Deus neste mundo.
Pedro Paulo não conseguiu segurar a emoção. Os olhos brilhavam exageradamente. Se Jair soubesse o que ele tinha feito, com certeza jamais diria o que estava dizendo.
- Quer dizer que não preciso me preocupar com minha conduta?
- Precisa sim.
- Mas você acabou de dizer...
- O amor de Deus é incondicional e para todos, mas só tem valor para os que aceitam. Por isso, o verso que acabamos de ler diz: “Para que todo o que Nele crê”.
- Como faço para crer?
- Primeiro, aceite o fato dramático de que você está no território da morte, longe de Deus, perdido, e não tem condições de sair dessa situação. Jeremias pergunta: “Pode, acaso, o etíope mudar a sua pele ou o leopardo, as suas manchas? Então, podereis fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal” (Jeremias 13.23).
- Esse sou eu! - respondeu Pedro Paulo.
- Esse somos todos nós, Pedro. Olhe: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? Eu, o Senhor, esquadrinho o coração, Eu provo os pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas ações” (Jeremias 17.9-10).
- Deus sabe tudo – refletiu Pedro Paulo.
- Com certeza. O ser humano pecaminoso gosta de fingir, aparentar e “mostrar” que é bonzinho. Mas, no fundo, sabe que seu coração é falso. Isso está na natureza desde que Adão e Eva pecaram. A partir daquele trágico dia todos nascemos com a natureza pecaminosa e somos incapazes de fazer o bem. Isso é o que declara Davi: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Salmo 51.5). O apóstolo Paulo complementa a ideia dizendo: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Romanos 5.12).
- Estamos todos condenados?
- Sim e não.
- Não entendo.
- Estaríamos todos condenados do jeito que nascemos. No entanto, se você aceitar o fato de que é incapaz de remediar sua situação e for a Jesus do jeito que está, ouvirá a voz Dele dizendo: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã” (Isaías 1.18).
- Ir a Jesus levando meus pecados?
- É o único jeito de ir a Ele. Muitos esperam mudar de vida para ir a Jesus. Esperam corrigir seu comportamento e deixar de fazer isso ou aquilo. Eles jamais irão a Jesus. Sozinhos, jamais conseguirão mudar sua natureza.
- É simples assim?
- É e você não paga nada por isso. “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2.8-9).
- Mas um bom cristão não é aquele que faz tudo direito? Não precisa ter boas obras?
- Um pé de maça não é de maça porque produz maças. É o contrário. Ele produz maças porque é um pé de maça.
- O que isso significa?
- Jesus diz isso. Leia aqui: “Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons“ (Mateus 7.18-18).
- Frutos?
- Sim, para produzir bons frutos, a árvore precisa ser uma árvore boa. Os frutos são o resultado. A mesma coisa acontece com o cristão. Antes de se preocupar em produzir boas obras, é preciso ser cristão.
- E um bom cristão é aquele que vai a Jesus do jeito que está não é?
- Isso mesmo! E permanece com Ele. Você entendeu!
As horas passaram. Os amigos conversaram muito tempo. Jair tomou a iniciativa e fez uma pergunta:
- Podemos continuar amanhã? Acho que já é tarde, e você precisa descansar depois de uma longa viagem.
- Sabe que até o cansaço sumiu de tão interessante que esteve à conversa? Jamais tinha pensado nas coisas que você me falou.
- Só uma pergunta mais.
- Pois não?
- Você aceita Jesus como seu Salvador? Deseja ir a Ele tal como está?
- Eu ... quero dizer ... eu ...
Jair entendeu que aquele não era o momento oportuno. E completou:
- Descanse. Amanhã será outro dia. Posso fazer uma oração por você?
- Por favor.
Jair ora:
- Obrigado Pai querido porque um dia o evangelho chegou à minha vida trazendo salvação, perdão e paz. Jamais poderei Te agradecer o suficiente porque salvaste a mim e a minha família. Mas agora Te suplico por Pedro Paulo. Ele precisa de Ti, Senhor. Entra em seu coração e coloca ordem em sua vida, tira a tristeza, a angústia e dá sentido à sua existência.
No fim da oração, Pedro Paulo não conseguiu segurar as lágrimas. Jair o abraçou e se retirou discretamente. Antes de sair, abriu a Bíblia, procurou um verso e sugeriu:
- Leia isto antes de dormir.
Sozinho, Pedro Paulo leu: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o Meu jugo e aprendei de Mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mateus 11.28-29).
Gordas lágrimas rolaram pelo rosto prematuramente marcado pela vida. Ele balançou a cabeça com força, não sabendo o que pensar. O coração clamava por paz. Até ali tinha vivido uma corrida alucinante em busca de algo que ele mesmo não conseguia definir. Agora ouviu a voz mansa de Jesus dizendo: “Venha a Mim”.
Que dia! Quantas emoções diferentes vividas em um curto período de tempo. Pânico, desespero, medo, angústia, saudade. E, no fim do dia, esperança. Uma fresta de luz em seu mundo de sombras e a perspectiva de um amanhã glorioso surgiu agora.
Naquela noite, Pedro Paulo quase não dormiu. Rolou na cama como em tantas outras noites. Mas naquela noite foi diferente. Lembrava-se de cada palavra de Jair. Levantou-se, então, acendeu a luz e abriu a Bíblia algumas vezes. Mal sabia que o coração era um campo de batalha. Porém, estava consciente de que precisava tomar uma decisão urgente. Não podia mais adiar. Sua vida não podia continuar do jeito que estava. No entanto só conseguiu pronunciar quatro palavras:
- Perdão, meu Deus, perdão!
A luz do novo dia entra com força pela janela e o acorda. Era um novo dia. Seria também uma nova jornada. O coração cantou. Abriu a janela do quarto na direção do jardim e respirou fundo. Sabia que estava iniciando uma caminhada para toda a vida. Por algum motivo, sentiu que devia procurar o filho ou filha que não conhecia. Ele entendeu que não se pode construir um prédio novo sem estabelecer fundamentos sólidos. Mentiras são folhas soltas que o vento arrasta sem destino. Não existe cura em cima de uma ferida infeccionada. É preciso limpar a ferida, mesmo que signifique dor.
Teria forças para chegar ao fim da jornada? Esse não era o problema, pois “Aquele que começou boa obra em vós há de completa-la até o Dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1.6).
Agora o coração estava cheio de vida. Ele estava decidido a buscar a única esperança real que existe.












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